Carta


Belo Horizonte, 9 de abril de 2020.

Amigo,

Esses dias, me peguei pensando sobre as relações humanas, sabe... E foi por isso que eu resolvi escrever essa carta para você. Sim, uma carta! Coisa tão antiquada para o mundo moderno, mas que carrega em si uma nostalgia e importância que a tecnologia atual não consegue carregar consigo. Por isso, resolvi trazer de volta essa prática, inundada de poesia, que muitos sequer tiveram contato um dia.

É muito engraçado como os seres humanos se relacionam entre si, com o mundo que os cerca, as pequenas coisas, e como reagem aos mais variados estímulos. Muitas vezes, de maneiras totalmente inusitadas, não é?

Outro dia, numa das poucas vezes em que tive que sair para resolver alguma coisa, vi um casal, com seus bons 60 anos ou mais, caminhando naquela praça próxima de casa em que ficávamos reunidos depois da aula, conversando sobre praticamente tudo - e todos. Cheguei a ouvir um pouco da conversa deles, e fiquei pensativo sobre o que falavam:

- A Rita está cada dia mais triste, Armando...

- Pois é, Marta. Está quase chegando a hora.

- Você não precisa me lembrar disso. Mesmo sabendo que todos nós vamos chegar lá um dia, vê-la ir tão rápido me corta o coração.

- Ela ainda tinha muito o que viver; mas, com tanta coisa ruim acontecendo e ela recebendo toda essa carga, sem desabafar, achando que era a responsável pelo que estava acontecendo na família dela... Tudo isso ajudou a complicar mais ainda a situação dela. Ninguém da família levou isso em consideração, nem o estado de saúde dela. E ela, sempre guardava tudo.

- Mágoa adoece. E essa geração de hoje parece não entender isso. Criam laços e os desfazem tão rápido quanto podem, mas carregam os traumas sem se resolver. Estão adoecendo, dia a dia, se matando com palavras, sentimentos, ações... Estão mortos por dentro, embora estejam cada dia mais cercados de pessoas vivas. Falam sobre tudo, mas não se aprofundam em nada.

- Você vê nosso neto Arthur, amor - achei lindo ele se referir à esposa assim, com tanta propriedade e verdade; dava pra ver isso no olhar dele. - Ele está sempre conectado, como eles dizem, curtindo fotos e chateado por não ser igual às fotos que ele acha legais. Mas nunca se perguntou se aquelas fotos são de momentos reais.

- As pessoas não se importam mais com o que é real. O real é aquilo que elas mostram, não o que são de verdade.

Foi nessa hora que, percebendo que eu estava próximo a eles, recebi um sorriso e um bom-dia tão calorosos, que percebi que eu mesmo precisava mudar alguma coisa em mim. Não tive como continuar ali, e resolvi seguir meu caminho ao compromisso que tinha. A realidade, por um momento, me ensinou aquilo que eu nem sabia que precisava aprender.

Mais tarde, já em casa, pude ficar a sós com meus pensamentos e conversar com eles. Assumo que não fazia isso há muito tempo, provavelmente por saber que me incomodaria muito com eles e com o que diriam a mim. Avaliei desde minha vida pessoal à minha vida profissional e, admito, não gostei muito do que eu vi.

Sempre dei mais importância ao que os outros pensavam sobre mim do que aquilo que sou de verdade. E como isso me levou a relações tóxicas com os outros e comigo mesmo. Eu fabricava uma realidade de acordo com o que os outros pensavam sobre mim. Doeu.

Sentimentos entrecortados por palavras mal ditas e mal interpretadas, que ressoavam e retumbavam mais do que o necessário. Sempre aquilo que não é tão bom assim ganha proporções cada vez maiores. Ferem, com intensidade e letalidade que jamais deveriam ter. Assumem papeis e representam imagens que não importam, não edificam; mesmo assim, são as que mais nos impactam.

Podem impulsionar também, seja para o bem ou para o mal. A nós, resta alimentar o tigre com o qual temos mais afinidade essas horas - e eu espero que o seu seja o bom (risos). O meu, não podia dizer que era tão bom assim. Mas ninguém pode ser tão mal que não tenha bondade, nem tão bom que não tenha maldade. Ou pode?

Mudei alguns padrões que eu tinha também, embora tenha muitos padrões a se revisar ainda. O principal deles foi de esperar dos outros o que eu pudesse oferecer. Muita coisa ficou mais clara (ou menos nebulosa) no que diz respeito às reações dos outros quando eu mais precisava. Você sabe. Eu passei por momentos difíceis, e poucas foram as pessoas que estiveram comigo nesses momentos também. Por isso, te agradeço demais por estar comigo, mesmo longe. Eu não sei como te agradecer por tudo. 

Na verdade, o que eu escrever acima é uma meia verdade. Me perdoe por isso, mas a riqueza do ser humano reside em exatamente ter essa capacidade de criar realidades e acreditar nelas. Acho até que é necessário fazer isso às vezes, para termos sempre o que fazer com nossas vidas. Seria esse o sentido da vida? Não sei. É até melhor não saber agora, pois você sabe o que dizem quando alguém descobre o sentido da própria vida, não é mesmo? Melhor seguir caminhando, aprendendo dia a dia sobre quem sou eu de verdade.

Tenho mais coisas para te falar, mas vou deixar para outra carta. Espero que você a receba, e se sinta bem confortável a retornar em carta também, para continuarmos nossas conversas. Sinto saudades, mas não quero ceder tão facilmente à tecnologia; longe de mim perder minha essência por isso.

Aguardarei com esperança (e um pouco de drama. Você me conhece)...

Até breve!

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